domingo, junho 20, 1999

perguntas de blogues

PERGUNTAS A FRANCISCO JOSÉ VIEGAS

- Relativamente à recente censura que existe por parte da Microsoft em serviço de blogs na China. Será que ao se estar a censurar este tipo de palavras não se estará a contrariar a própria definição de blog?
Claro que sim. Um blog é um diário publicado na net; a censura que a Microsoft acedeu a praticar, que é uma vergonha para todos nós, não é inédita. Há cerca de dois anos, cedendo aos lobbies anti-semitas e árabes, a Microsoft baniu a "estrela de David", símbolo do judaísmo, do conjunto dos símbolos partilháveis no seu sistema Windows XP. A atitude da Microsoft devia encher-nos de vergonha, a todos os que nos preocupamos com os direitos humanos e com a segurança dos cidadãos. O que a Microsoft fez não é mais do que colocar a sua tecnologia ao serviço de um regime que assassina, fuzila sem julgamentos, pratica genocídios, ocupa militarmente outros países, despreza a liberdade e os direitos humanos. Dessa forma, a Microsoft mostra que ainda pode ser mais desprezível do que o regime chinês.

- Será legitimo para uma empresa como a Microsoft estar pactuar com esta situação? Que alternativas poderiam existir?
É legítimo. Por mais surpreendente que isso seja, é legítimo (nada os impede) que a Microsoft faça esse serviço de censura por encomenda de um dos regimes mais totalitários e militarizados do mundo. E não me parece que existam alternativas para quem quer furar o cerco montado pela ditadura chinesa e, ao mesmo tempo, pela apertada malha de vigilância da Microsoft.
Isto pode parecer um exagero, mas admitamos que um governo paga à Microsoft para assinalar todos aqueles que falam de sexo, literatura, riso, etc etc, sob o pretexto de serem pessoas perigosas. A Microsoft tem legitimidade para o fazer, porque o seu negócio é esse.

- Como pessoa ligada aos blogs, como se poderá contornar este tipo de restrições?
É muito difícil. Só a criação de um novo dicionário em que as palavras proibidas sejam substituídas por outras, o que é possível fazer-se.

- Será que esta situação pode ter alguma similaridade com a censura em Portugal antes do 25 de Abril?
Não. A censura em Portugal era administrada por uns seres sinistros, mas sobretudo senis, ignorantes e ridículos. A censura da Microsoft tem atrás de si gente inteligente, perversa, bem paga (muito bem paga) e sem escrúpulos.

- De que forma é que será legitimo a um Estado estar a censurar palavras na Internet – como por exemplo, a Alemanha proibiu a utilização de palavras e sites nazis. Será, neste caso, legitimo a restrição de liberdade no mundo cibernético?
Não é legítimo, evidentemente. Mas a IBM trabalhou para o regime nazi e foi acusada de cúmplice do Holocausto, não foi? Eu sou contra a proibição de sites nazis, de qualquer modo -- mas acredito que devem ser vigiados e monitorizados em nome da segurança e da liberdade dos cidadãos.

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PERGUNTAS A JOÃO PAULO MENESES (JORNALISTA DA TSF, AUTOR E BLOGGER)

- Relativamente à recente censura que existe por parte da Microsoft em serviço de blogs na China. Será que ao se estar a censurar este tipo de palavras não se estará a contrariar a própria definição de blog?
A grande questão é que as diversas empresas para entrarem no mercado chinês têm de fazer cedências. Aquilo que a Microsoft está a fazer e que outras empresas americanas já fizeram, criar vigilância e censura, é a contrapartida que o governo chinês exige para autorizar a entrada de empresas estrangeiras.
A china é o país mais fechado do mundo. Tem uma estrutura muito severa relativamente ao investimento estrangeiro. A Internet foi uma das poucas áreas chave em que permitiram entrada. A Microsoft nunca aceitaria uma coisa destas nos EUA, mas é estranho agora aceitar na China.

- Será legitimo para uma empresa como a Microsoft estar pactuar com esta situação?
A Microsoft está a contrariar a lógica de liberdade de expressão e participação cívica que a génese dos blogues tem. Mas está também a contrariar a liberdade de expressão num país onde até faria mais sentido combater-se essa censura que já existe. Mas acho que apesar de tudo os blogues vão sobreviver para além da ambição financeira do Bill Gates.

- De que forma é que será legitimo a um Estado estar a censurar palavras na Internet – como por exemplo, a Alemanha proibiu a utilização de palavras e sites nazis. Será, neste caso, legitimo a restrição de liberdade no mundo cibernético?
Não vejo este mundo da Internet não o vejo diferente da sociedade de direito. É apenas mais uma ferramenta de uma comunidade. Portugal não aceita partidos políticos que defendam o nazismo. Não me chocaria que houvesse proibição de sites nazis em Portugal, porque os blogs também fazem parte da sociedade de direito. Relativamente à proibição das palavras parece-me um exagero grande até por questões históricas, porque é legítimo poder-se escrever sobre o nazismo.

quarta-feira, junho 09, 1999

Entrevista a Miguel Guedes


Meu Porto
Miguel Guedes, dos Blind Zero


FICHA PESSOAL
Música preferida

Música muito diversa, desde o último dos Queen of the Stone Age ao último do [Bruce] Springsteen.

Na mesa-de-cabeceira (livros)
Agora estou a ler livros sobre duas matérias que, para mim, são muito importantes. Um sobre mergulho, porque vou fazer daqui a pouco tempo, o outro é o Código de Direito de Autor e Direitos Conexos, porque me interessa enquanto músico, autor e intérprete.

Peça de roupa que gostava de comprar
Não tenho nenhum desejo em especial. Para mim a roupa é apenas um acessório.

Teatro que recomenda
Há muita oferta no Porto. Gostei muito de ver o último espectáculo do grupo Visões Úteis.

Último filme que gostou
O Mar Adentro, foi um dos últimos que mais me tocou pela enorme capacidade narrativa que os espanhóis já tem – comparativamente com o cinema português, que raramente consegue ser tão eficaz e emocional.

Confesso que sou
Persistente

Extravagâncias que faz
As privadas são privadas, as públicas normalmente são esporádicas.

Roteiro que recomenda para um dia no Porto
Acordar (com bom tempo) na praia do Cabedelo, em Gaia. Almoçar na Foz, continuando a ter a água por perto. Passear pelo Palácio de cristal e no jardim romântico. Beber um cálice de Porto nas caves. Ao entardecer, passear e jantar na Ribeira. Ir depois ouvir música no Mercedes, e prosseguir a noite fora pelas múltiplas alternativas que o Porto oferece. Mas acabar a noite em casa.


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O Miguel Guedes é um portuense que é músico ou apenas um músico? (sente-se parte da cidade?)
Sinto-me uma pessoa do Porto, um portuense. Não consigo separar a minha identidade pessoal do sítio onde nasci, das pessoas que conheço, das luzes da cidade e, sobretudo, quando não estou no Porto sinto a enorme falta que a cidade me faz. Um pouco como quando se emigra, é nesses momentos que damos importância aos pormenores da nossa cidade.

Concorda com o estereótipo de que as pessoas no Norte são mais extrovertidas?
Não concordo muito com estereótipos, há alguns lugares comuns em que as pessoas se encontram, e até são de bom senso. Penso que os portuenses e as pessoas de norte têm características específicas, mais relacionadas com a franqueza. Aqui as pessoas, normalmente, são mais agarradas a valores; são também mais conservadoras, mas mais leais e sinceras.

O que é o que o Porto, do seu ponto de vista, tem de diferente das outras cidades?
É uma cidade com uma história imensa e com um grande sentimento de pertença de um povo. Também já deixou de ter complexos de ser a segunda cidade do país. O que tem de diferente é, essencialmente, as pessoas, a história e as opções estéticas que se fazem. Acho que no Porto ainda se perde tempo a ver o rio, são pessoas mais de humores, reflexivas e de paixões. E isso tem a ver com o facto de achar a cidade apaixonante. Há romance no sombrio que ela apresenta e, por isso, parece uma pequena Berlim de Portugal.

Em que é que a cidade poderá melhorar?
Ainda há uma assimetria muito grande entre a zona ocidental (de luxo) e oriental (mais pobre). Essa assimetria é um bocado um espelho do país e é semelhante ao que acontecia em Berlim, como o muro. O Porto retrocedeu muito nos últimos anos, a nível político e cultural. Há muita gente que tem feito muito mal à cidade. A nível político, o que tem sido feito a nível cultural e a nível de uma sociedade livre e democrática fazem o Porto viver tempos turbulentos e de falta de respeito pelas diferenças. Tem-se sentido isso na política cultural e social do Porto nos últimos anos. A forma como foram tratados os despejos em bairros sociais, o combate à exclusão social feito sem qualquer respeito e a forma como se trata a maior instituição desportiva da cidade são alguns dos exemplos.

A Casa da música é um exemplo de sucesso cultural… quais as outras iniciativas que deveriam vingar?
O Porto tem tido possibilidades para ser feliz culturalmente. A Porto 2001 acabou por ser uma oportunidade perdida para trazer a cultura à casa das pessoas. Já há algumas infra-estruturas, agora importa criar sinergias entre as várias instituições como, por exemplo, a Casa da Música com o Teatro S. João e o Museu de Serralves. Deve-se procurar uma política cultural eclética, democrática e abrangente.

Qual o melhor sitio para se viver no Porto? Porquê?
Eu vivo em Gaia. Mas acho que também depende de pessoa para pessoa. Eu viveria sempre bem se tivesse no meu horizonte o rio e o mar.

Qual a melhor recordação que tem da cidade?
Tenho tantas! Se calhar a mais nostálgica é o facto de ter estudado durante 6 anos em Coimbra e a sensação que tinha quando estava de regresso, na Avenida dos Aliados, ao final do dia, com a ausência de pessoas. Tinha uma sensação introspectiva inesquecível de retorno a casa, e é isso nos dá uma identidade portuense.

Reflecte nas letras que escreve os ambientes que o circundam?
Acho que é inevitável porque, apesar de escrevermos em inglês, escrevemos sobre os nossos locais, as nossas experiências locais e os nossos vizinhos. Sempre tivemos um percurso negro e muito psicótico e isso tem muito a ver com o Porto, que é uma cidade muito sombria e escura, mas também muito romântica. Para mim é uma cidade para apaixonados.

Porque é que muitas das principais bandas portuguesas vêm do Porto? Há uma grande aposta musical na cidade?
As pessoas do Porto são criativas, mas tem havido uma maior democratização na música, um fenómeno um pouco por todo o país. Mas esta é uma cidade estimulante e criativa e aqui os músicos querem sempre fazer algo novo e melhor, talvez passe por aí.

Outra das suas paixões é o futebol. Qual a importância para a cidade dos dois principais clube Boavista e F.C. Porto?
Infelizmente o Salgueiros já não representa tanto como representou, mas o Porto e o Boavista são dois emblemas da cidade, um símbolo de alegrias colectivas e de celebração que escapam ao S. João mas são inerentes à própria cidade. É inacreditável ver a mobilização das pessoas para com o seu clube. Ser portista e boavisteiro é um acto de celebração, e quem não respeita isso está a desrespeitar a cidade.

Qual a figura histórica ou actual, do Porto, que mais o inspira…
Não tenho nenhuma que me inspire, tenho respeito por muitas. Se há alguém que deve ser celebrado são as pessoas.

Como imagina a cidade no futuro?
Imagino um porto libertário, multicultural, com uma identidade própria, mas que só se pode construir dinamizando e dinamitando as suas premissas. Uma cidade que crie pólos de comunicação com outras cidades, mesmo a norte na fronteira de Espanha, uma cidade policêntrica, com sinergias e, logo, uma cidade mais feliz.

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Quais as maiores dificuldades actuais da música portuguesa?
É um mercado em recessão. As pessoas não se apercebem que enquanto houver cópias piratas e desrespeito pela música, a música portuguesa corre o risco de extinção daqui a alguns anos, acabando por ser uma parte do país que morre com isso.

Os Blind Zero têm um novo álbum (o quinto), The night before and a new day. Este é um álbum mais calmo, com mais silêncios do que o anterior. Porquê a alternância?
Acho que sempre tivemos momentos calmos, desta vez as coisas estão mais definidas. Não diria mais calmo, mas é um disco mais positivo com menos desarmonia. E só poderia ser assim, no disco anterior andámos muito perto das psicoses das pessoas, dos registos sombrios.

Escrever canções é, para si, um acto de libertação?
Sim! De libertação e de mudança. Nestes 11 anos, temos feito questão de mudar de disco para disco. Há uma enorme necessidade de mudar, de forma a dizermos sempre algo de novo.

O que espera ainda alcançar na música?
Os Blind Zero seguem o seu caminho. Até agora temos achado que há sempre algo mais a dizer. Enquanto houver esse sentimento, faz sentido continuar.

Cantar em inglês é também um reflexo da influência que as artes anglosaxónicas têm nas suas letras, como é o caso da inspiração do filme de Wim Wenders, Paris-Texas?
Claramente. Sempre me aproximei mais facilmente de Steinbeck do que do galo de Barcelos. Mais a sério, o Paris-Texas é pura e simplesmente um dos filmes mais maravilhosos da minha vida e que incorpora muitos dos elementos que fazem o percurso conceptualdos Blind Zero: a solidão, a busca, a angustia, a redenção, o amor apaixonado e incondicional, a loucura...

Que outros letristas admira e o influenciaram?
Entre muitos outros, Dylan,Tom Waits, Springsteen, Jorge Palma, Suzanne Vega, Cohen, Joni Mitchell... Tantos...